quarta-feira, 11 de abril de 2012

O capiau na Semana Santa


Há muitos anos, numa pequena cidade do interior de Minas, o padre Serafim com sua fiel equipe tomava as devidas providências para pregar uma imagem de Jesus numa cruz na sacada da igreja, para, em seguida proceder, como em todos os anos ao magnífico sermão realçando o valor do Cristianismo para a humanidade. 
E eis que naquele momento um homem trajado de terno cáqui, até bem feito, calçando botinas chiadeiras, quem sabe as usava pela primeira vez, mancava um pouco, não que fosse coxo, mas, porque não usava o calçado frequentemente. No bolso esquerdo do paletó, havia uma cabeça de palha de cigarros sem o milho para fazer seus pitos com fumo de corda macaia- a pior qualidade de fumo de cheiro nauseabundo. 
Como o tabaréu nunca tinha visto uma encenação foi tomado de pânico quando os carrascos-soldados levantaram a pesada marreta para desfechar o golpe nos punhos de Jesus, ele se sentiu como se cravos tivessem perpetrados nas suas próprias mãos. Faltava-lhe o ar, segurava com suas trêmulas mãos o chapéu de palha, ajoelhou-se e sentia todo aquele martírio e flagelo como Jesus que morria emocionalmente minuto após minuto. Nada no mundo podia serenar os pensamentos do pseudo-homem devoto ou suavizar sua incontida emoção. Quem imaginava que aquele senhor não entendia nada do que estava se passando e muito menos de Cristianismo. Pensou ele no seu filhinho que carregara nos seus braços e o projetou na imagem daquele homem na cruz. A mente dele ficou tão tocada que exclamou aos brados: Meu Filho, Meu Filho, eu te amo! Naquele instante, os circundantes desabaram em pranto. Pensou o simplório que o homem na cruz devia ser honesto e não entendia porque aquele povo assistia a tudo passivamente ou aquele homem na cruz seria um revolucionário ou um impostor, mas por que a multidão olhava para aquela cena em silêncio profunda e em lágrimas?
O coitado chegou até ver que Jesus estava trêmulo, as batidas de seu coração eram lentas, os pulmões ardentes, mal conseguia respirar, tinha vertigens, quase desmaiou, mas resistia na cruz as faculdades mentais próximas à fronteira final da vida. Enquanto o padre ia pregando, inclinaram um pouquinho a imagem para frente e o brocoió percebeu os tecidos musculares de Jesus aumentarem sensivelmente crescendo a sua amargura. Foi, então que o padre caprichou sua voz e disse: “Mulher, eis o teu filho.” Apontou num gesto de cabeça para João e disse a Maria para toma-lo como filho. Parecia que Jesus queria dizer a Maria: “Mãe, eu te amo, mas você sabe quem eu sou”. Você se entregou a mim, agora me entrego também por você, dizia o padre no intercorrente sermão. 
Foi a primeira vez que uma História de amor termina com as gotas de sangue de um filho e as lágrimas de uma mãe... O caipira foi embora e todos o admiraram profundamente, talvez mais do que o belíssimo sermão bem ajustado do padre Serafim, homem culto, grande mineiro cristão. Um ano depois, por coincidência, lá estava o capiau exatamente no dia da encenação da crucificação de Jesus. O povo, quando o viu, olhou-o respeitosamente e já esperando aquele vale de lágrimas, mas, para espanto de todos, o humilde senhor olhou para a cruz, viu a imagem sendo pregada, seguida das eloquentes palavras de Serafim. Então, tirou de cima de uma das suas orelhas um pito de palha, acendeu-o com sua binga que faiscava e quando o cigarrão pegou fogo, soltava fagulhas e exclamou em escancarada gargalhada: Tomou, sem- vergonha, no ano passado eu fiquei com dó de você e quem mandou e por que foi voltar aqui para ser judiado outra vez? E saiu a passos frouxos, cambaleantes, com as botinas chiando, soltando baforadas da macaia e olhando para trás, ainda rindo com seus dois dentões à mostra. Foi aí que o povo compreendeu tanta!...


Professor Adhemar

0 comentários:

Postar um comentário