sexta-feira, 7 de dezembro de 2012

Como nasce um Preconceito

Em 1952, cursava eu o primeiro ano do antigo “Grupo Escolar de Itamogi”. Como era bom e alegre chegar o momento de ir para a escola. Tinha eu uma gaveta com muitas moedas, não ganhadas, mas conquistadas com meu trabalho de catar café no cafezal de meu pai e vender para ele mesmo a preciosa rubiácea a que ele sentia muito orgulho de eu ser uma criança e ter já iniciativa para o trabalho. Sempre, ele perguntava se queria o pagamento em notas ou moedas. Eu preferia moedas porque gostava de olhar a efígie nela gravada e também gostava das cores: amarelas, brancas ( níquel).Quando meu pai pronunciava a palavra pagamento , eu me sentia que estava enriquecendo e algo assim de muita importância. O dinheiro daquele  tempo era o cruzeiro que surgiu em 1942 em substituição ao mil réis. Eu vendia tudo o que meu pai mandava na cidade como laranjas seletas, sanguínea, tangerina assim como alface de alta qualidade, ovos- estes eram da minha mãe. A primeira casa onde ia vender era para o chefe da Estação da Mogiana o senhor Pimenta cuja esposa era muito brava e mandava nele o tempo todo, mas ele sempre comprava e elogiava os produtos. Vendia, também para o senhor Abdias, o pai da D. Branca Xavier Pereira, para o Virgulino, soldado que comprava uma laranja para cada filho. Tinha doze filhos e um deles se chamava Juraci. O senhor José Nantes de Castilho adorava as alfaces e o senhor Osorico gostava de laranja lima , muito,muito doce

O problema era que eu não conhecia bem o valor das referidas moedas. Foi aí que aconteceu um incidente na escola. Eu adorava aquele cheiro delicioso da sopa de fubá preparada pela D. Maria, senhora já de cabelos brancos, risonha e muito bondosa com as crianças. Ela, também batia o sino para formar as filas, cantar e orar pedindo a Deus proteção e sabedoria. 

Certo dia, peguei aleatoriamente, uma moeda para pagar a sopa. Somente os alunos da Caixa Escolar não pagavam porque eram pobres, no dizer de muitos. Eles recebiam uma ficha verde para tomar aquela delícia; os outros pagavam, tinham uma ficha branca. Ideia lamentável discriminatória. Então entreguei a moeda à professora que a olhou e disse que o valor era insuficiente. Fiquei olhando para ela sem entender direito, então ela me mandou assentar e não resmungar, mesmo assim, quando entendi, propus a ela trazer no dia seguinte o que faltava. Reafirmou ela que o dinheiro era pouco e não ia me vender. Fiquei com aquela fome de menino que caminhava longa distância até à escola e gastava muita energia. ‘

Ao chegar em casa, contei a minha mãe que ficou chocada e muito zangada, disse que ia dizer umas poucas e boas para a professora bem como perguntar se ela não sabia que seu pai contribui todo ano com cem quilos de fubá. Neste momento, meu pai interveio pedindo calma a dolorida Mamãe e disse que se for brigar com a professora, iria perder uma grande oportunidade de me ensinar a conhecer dinheiro, conforme ele dizia. Ela quis dizer mais alguma coisa, mas os olhos azuis de meu pai mudaram um pouco a tonalidade . Mamãe se calou. Meu pai colocou várias moedas sobre a mesa e me explicou carinhosamente o valor delas e o seu poder de compra. Uma semana depois, já sabia voltar troco. Ouvi, meu pai dizer a minha mãe que aquele fubá era para as crianças carentes e se o objetivo era aquele, não deveria abrir precedentes a ninguém. A professora foi sem tato porque era o momento de ensinar a confiar numa criança para que ela não desconfiasse generalizadamente de  todas as pessoas. O ensinamento de meu pai foi muito produtivo e ganhei um sucesso na aprendizagem. Ainda me lembro do olhar severo da professora que já a perdoei pela sua inexperiência docente-relacional. Era muito moça e cumpria ordens expressas. 

E como o tempo não existe a não ser pelo  passar do tempo, eis que ocorre outro incidente preconceituoso e certamente discriminatório que dói até hoje. Eu estava no quarto ano, a diretora D. Preta mandou chamar uma coleguinha de classe. Naquela sala, havia uma menina que se chamava Vera Vicentina e  outra se chamava Vera  Pareschi. Então, a professora pergunta a diretora: qual delas, a pobre ou a rica? A Vicentina era a rica e a Pareschi, a pobre. Qual delas? Então a diretora, num tom de voz que dava para ouvir chispas, azedume e até silvar de cobras, respondeu que no momento nenhuma, mas convidou a professora até seu gabinete. Na sala de aula, fez-se um silêncio sepulcral, contudo dava para ouvir a reprimenda com uma voz mais enérgica do que o falar natural. E para não ficar barato como os meus coleguinhas diziam, a diretora fez a professora pedir desculpas a Vera Pareschi por tê-la humilhado preconceituosamente . Coitada da professora, que chorava copiosamente, mas a Pareschi, humildemente argumentou que ela e a família não eram ricas de coisas, pois a senhora ensinou que a bondade e a humildade eram as maiores riquezas. Achei, por isto que eu  era  também rica. A diretora estava ouvindo e pediu uma salva de palmas para a Vera Pareschi que ainda me lembro do seu  rostinho gordinho e dentes brancos com aquele olhar meigo cheio de ternura e vivacidade. 

Professor Adhemar

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