segunda-feira, 24 de setembro de 2012

PREGAÇÃO - ESPAÇO MEMÓRIA HR


Seu olhar era fixo. Estagnado. Parecia ver bicho doutro mundo. Havia barulho ao fundo e também bem próximo. Tinha gente por todos os lados. Passavam, conversavam, até gritavam. Era muito barulho por nada. Porém, ela permanecia imóvel. Será que só os meus olhos viam aquela criatura? Pisquei. Pisquei novamente. E pude conferir que a tal mulher estava lá, parada. Seus pensamentos com pés de lã tramavam, com certeza. Trajava um vestido sujo, longo e prá lá de velho. Podia-se ver bem da janela que me emoldurava. Lembrava uma judia do umbigo para cima e mãe de santo no resto. De repente, arrancou um livro grosso de sua bolsa, desses que é para todos ou para ninguém, apontou-o para os céus, assim como o chapéu de bispo que usava (provinha do deus mitra), e começou a pregar. Ninguém ligava, sequer a ouvia. Alguns riam quando passavam. Outros se afastavam. Uma criança começou a chorar bem no meio do tumulto. Diante de toda aquela situação, era eu agora quem estava atônito. Meu olhar assustado, já ardia. Do local que eu estava, pude ouvir ao fundo o relógio da sala soar às 20 horas. Dei uma última olhadela e continuava tudo igual. Fechei a janela e a vidraça para não ouvir mais. Deixei a televisão falando sozinha. Fui até a cozinha tirar a barriga da miséria, pois a fome bateu.
© edgarlook


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